Derrotado
Uma guerra sem trégua e pouco avanço
Entra ano, sai ano, o mosquito se mantém firme e forte. Depois da dengue e da zika, agora é a vez de a chikungunya causar preocupação
Agentes de endemias fazem constantes visitas domiciliares ( Foto: Natinho Rodrigues )
00:00 · 04.03.2017 por Lêda Gonçalves - Repórter
Ele definitivamente é um dos vilões da saúde pública brasileira e, mesmo assim, após três décadas de retorno ao território nacional, o Aedes aegypti se tornou um mosquito doméstico. Vive dentro de casa e perto das pessoas de uma forma cada vez mais adaptado porque encontra no País, condições para se proliferar e ampliar leque de vítimas. No Ceará, após 28 anos, entre 1986 e 2014, era conhecido apenas como o vetor da dengue. A partir daí, se fortaleceu e agora também transmite chikungunya e zika. Após anos de luta, ainda travamos uma guerra sem trégua contra ele. Para especialistas, a inoperância de ações governamentais e a leniência da população no combate aos focos de reprodução, são principais causas que transformaram o transmissor de tantas doenças em protagonista dos constantes ciclos de colapsos sanitários.
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Segundo infectologistas, como Anastácio Queiroz, por sua capacidade de se amoldar às novas condições, só será derrotado, se governos federal, estaduais, municipais desenvolver políticas contínuas, em consonância com pesquisadores e apoio ativo das pessoas em geral. Por enquanto, batalhas anuais deixam rastros de dor e sofrimento para pacientes e suas famílias. No Estado, somente em relação à dengue, desde 1986, já são mais de 590,7 mil infectados, com 614 mortos. "Há 31 anos, sabemos quais os principais criadouros, sabemos de sua enorme eficiência em se moldar e continuamos a patinar no mesmo lugar", aponta.
Ele explica que a dengue é a mais mortal das três doenças. O chikungunya tem maior morbidade porque as dores nas juntas podem persistir por meses e até anos, evoluindo para a forma crônica, o que pode acontecer em até 30% dos casos. Já a zika é mais perigosa para as gestantes, pelo perigo da microcefalia. "Nossa preocupação este ano é com a segunda enfermidade. Os casos confirmados se multiplicam e o alerta estar no exercito de pessoas com a doença que pode ficar com sequelas persistentes e sem fim", ressalta.
O pesquisador da Fiocruz, médico Rivaldo Venâncio, aponta que alguns fatores contribuíram e contribuem para tornar o Aedes em um agente tão eficiente para a transmissão desses vírus. Há 30 anos, comenta, ele preferia água limpa e parada para se reproduzir. Hoje, a fêmea deposita os ovos em locais sujos e até com presença de matéria orgânica. "Um aspecto que também favorece a reprodução é o fato de a fêmea colocar em média cem ovos de cada vez, mas não fazer isso em um único local. Em vez disso, ela os distribui por diferentes pontos", explica.
O Aedes aegypti é, geralmente, diurno: prefere sair em busca de sangue pela manhã ou no fim da tarde, evitando os momentos mais quentes do dia. "Mas ele é oportunista. Se não tiver conseguido se alimentar de dia, vai picar de noite. Isso não ocorre com o pernilongo, por exemplo, que é noturno e só vai aparecer quando o sol começa a se pôr", afirma a bióloga e pesquisadora da Fiocruz, Denise Valle.
No Brasil, ele chegou a ser erradicado duas vezes. No início do século passado, o epidemiologista brasileiro Oswaldo Cruz comandou uma campanha intensa contra ele no combate à febre amarela. O mosquito voltou a ser detectado no fim dos anos 1960. Foi erradicado novamente em 1973 e retornou mais uma vez três anos mais tarde. "Hoje não falamos mais em erradicação. Sabemos que isso não é possível", frisa, Venâncio.
No caso da dengue, diz o pesquisador, se fala de uma doença que existe, de forma ininterrupta, há mais de 30 anos no Brasil. Todos os anos, com exceção de 1988, houve epidemia de dengue no país. No Ceará, foram sete, desde 1996 - 1987, 1994, 2001, 2008, 2011, 2012 e 2015. "No entanto, infelizmente, o País continua, todos os anos, contando os mortos por essa doença. Não era mais para haver mortes por dengue, salvo raríssimas exceções. Em relação às três doenças, apenas a dengue tem vacina já no mercado e outras duas ainda sendo testadas. Contra a chikungunya e zika, apenas a prevenção pode proteger a população", alerta.
Diante de tantos desafios, a ciência busca solução para, se não acabar com o Aedes aegypti, conseguir acabar com a força da fêmea de disseminar as doenças. Uma delas, é o uso da bactéria chamada wolbachia, que é inofensiva aos humanos e impede os mosquitos de transmitirem os vírus. A iniciativa faz parte de um projeto internacional chamado "Eliminar a Dengue: Nosso Desafio", liderado pela Universidade de Monash, na Austrália, e trazido para o Brasil pelo pesquisador Luciano Moreira, da Fundação Oswaldo Cruz.
Rivaldo adianta que os primeiros resultados demonstram que a fêmea com a bactéria a transmite naturalmente para os filhotes. Além disso, se a fêmea não tem a bactéria, mas é fecundada por um macho com a Wolbachia, ela fica estéril: os ovos não viram novos mosquitos. "Mas, ainda é cedo para contarmos com isso".
O Ceará realiza mobilização permanente no combate ao Aedes aegypti, com investimento anual de R$ 5 milhões, informa a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa). Entre as principais ações, que conseguiram reduzir os casos graves da dengue, a criação do Comitê Gestor de Políticas de Enfrentamento à Dengue, Zika e Chikungunya; implantação e monitoramento de Brigadas de Controle do mosquito em prédios públicos estaduais e federais; distribuição de telas de nylon para cobertura de grandes depósitos; a aquisição de 230 pulverizadores costais motorizados para uso em municípios com casos de arboviroses.
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