Enquanto vida há - tempo V.RIO - Na esteira dos progressos na luta contra o HIV nos últimos anos, com a Aids deixando de ser uma “sentença de morte”, pelo menos no curto prazo, outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) avançam mundo afora, infectando mais e mais pessoas. E, para piorar este cenário, a luta contra velhas conhecidas da Humanidade nesta área, como a sífilis e a gonorreia, enfrenta novos desafios. Na primeira, a escassez global do antibiótico mais usado para seu tratamento, a penicilina benzatina, ajuda a alimentar uma explosão dos casos de sífilis em gestantes e em recém-nascidos — a chamada sífilis congênita, que pode provocar malformações, como a microcefalia, além de cegueira, deficiência mental e até morte — em diversos países, inclusive no Brasil. Já na segunda, são cada vez mais frequentes os relatos de infecções por gonorreia resistente não só aos antigos (e baratos) antibióticos que até pouco tempo atrás conseguiam combater facilmente a doença, como também aos conhecidos como de “último recurso” nas derradeiras tentativas de debelá-la.
A preocupação com esta apelidada “supergonorreia” é tamanha que nesta sexta-feira a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta sobre sua disseminação global. Segundo a instituição, dados de 77 países mostram que entre 2009 e 2014 quase todos (97%) registraram casos em que a Neisseria gonorrhoeae, bactéria causadora da doença, era resistente à ciprofloxacina, antibiótico já da chamada “segunda linha” para infecções no trato urinário que era o tratamento inicial de escolha contra ela. Mas o problema não para por aí: 81% encontraram cepas do micro-organismo que também resistiam à azitromicina, que tomou seu lugar como tratamento de escolha; e assustadores 66% enfrentaram linhagens da bactéria da gonorreia resistentes até aos antibióticos de último recurso, as chamadas cefalosporinas de amplo espectro, inclusive a cefixima oral e a ceftriaxona injetável.
— A bactéria que causa a gonorreia é particularmente esperta — aponta Teodora Wi, médica do Departamento de Reprodução Humana da OMS. — Toda vez que usamos uma nova classe de antibióticos para combater a infecção, a bactéria evolui para resistir a ela. E estes casos podem ser apenas a ponta do iceberg, já que faltam sistemas para diagnosticar e relatar infecções intratáveis nos países de menor renda, onde a gonorreia é mais comum.
DSTs no mundo e no Brasil - Editoria de Arte
E é sob a sombra desta ameaça que especialistas do mundo inteiro se reúnem a partir de amanhã até quarta-feira no Rio de Janeiro no Congresso Mundial de Doenças Sexualmente Transmissíveis e HIV 2017. Segundo o ginecologista e obstetra Mauro Romero Leal Passos, presidente da Sociedade Brasileira de DST e anfitrião do congresso, que acontece pela primeira vez na América do Sul, embora na comunidade médica estas doenças tenham sido uma preocupação constante, o foco no HIV das campanhas de prevenção e a crescente noção entre o público em geral de que a Aids já não é mais um “bicho papão” acabaram abrindo caminho para o aumento dos casos de gonorreia, sífilis e outras DSTs.
— Mas agora as pessoas estão entendendo que não se pode focar numa doença só, que isso é muito pouco — diz. — Veja o exemplo do Brasil. Temos um dos maiores e melhores programas de HIV/Aids do mundo, mas estamos enfrentando uma avalanche de casos de sífilis e, consequentemente, de sífilis congênita. Por isso temos que ter estratégias múltiplas para atuar no comportamento e prevenção de todas as DSTs.
Ainda de acordo com Passos, embora não haja estudos relacionando diretamente os progressos contra o HIV com o aumento nos casos de outras DSTs, o trabalho clínico do dia a dia reforça esta impressão.
— Com as pessoas convivendo de forma menos traumática com o HIV, muitos jovens acham que não vão mais morrer, acabam tendo comportamentos de risco e se contaminam — conta, acrescentando que o estigma em torno das DSTs ainda é um empecilho para seu tratamento, diagnóstico e prevenção. — A saída para isso é falar, discutir, colocar o tema nas escolas. E não só DSTs, mas sexo e sexualidade em geral, abordando assuntos como aborto, homoafetividade e gravidez indesejada, que costumam resultar de uma relação sem proteção, isto é, se a menina pode engravidar, ela também pode se infectar com uma DST.
Diretor geral da Parceria Global para Pesquisa e Desenvolvimento de Antibióticos, organização criada pela OMS e a Iniciativa por Drogas para Doenças Negligenciadas (DNDi) para fomentar estudos em torno de novos medicamentos para doenças que não interessam economicamente à indústria farmacêutica, Manica Ballasegaran concorda:
— É muito importante não nos tornarmos complacentes com os progressos feitos até agora contra as infecções pelo HIV/Aids e que reforcemos as atuais estratégias de controle e prevenção tanto de DSTs quanto do HIV junto a governos, sociedade civil e a comunidade médica.
Outro problema no combate às DSTs é que em um número significativo de casos, principalmente entre mulheres, as infecções são assintomáticas, isto é, não apresentam sintomas ou estes são muito brandos e acabam não sendo percebidos. Assim, sem saber que estão doentes, muitas pessoas não são diagnosticadas e acabam transmitindo as doenças, destaca Helio Magarinos Torres Filho, diretor médico da Richet Medicina e Diagnóstico.
— Por isso, os exames para DSTs devem ser algo de rotina para todas pessoas sexualmente ativas — defende. — Além disso, para as mulheres a consulta periódica com um ginecologista é muito importante, pois só o exame clínico já pode levantar suspeitas a partir de observações como secreções e odor.
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