Agentes biológicos.Os flagelos provocados por doenças fazem parte da história da humanidade. A peste negra, que devastou a Europa no século XIV, permanece como símbolo do horror. Depois do registro da peste bubônica na Idade Média, "peste" passou a significar qualquer dano de grande potencial de risco.
Considerando a lógica das ameaças assimétricas, a disseminação intencional de doenças de potencial epidêmico ocorre através da dispersão de agentes patogênicos com a finalidade de agredir, incapacitar ou matar, visando conquistar territórios e expandir domínios. Contudo, os conflitos convencionais também registraram a utilização desse recurso como arma. Silva (2001) destaca como um dos exemplos mais antigos encontrados na literatura o uso fezes de animais em flechas fabricadas pelo homem de Neanderthal. Esse mesmo procedimento foi utilizado durante a guerra do Vietnã (1959-1975), quando uma estaca de madeira ou de bambu contaminada com fezes, denominada estaca punji, era distribuída, com a ponta para fora do solo, no caminho das tropas inimigas (CHRISTOPHER et al., 1997). Ressalta-se que inicialmente os agentes biológicos foram empregados de forma intuitiva e muito rudimentar, deixando dúvidas sobre sua eficácia.
Almeida (2007) divide as armas biológicas em três gerações. A primeira geração é caracterizada pela fabricação rudimentar de instrumentos, seleção de poucos agentes infecciosos e baixa produção de munição, com aplicação precária e uso exclusivamente em sabotagens.
Os primeiros programas de guerra biológica ocorreram durante a Primeira Guerra Mundial, na Alemanha e na França, baseados nas descobertas da Microbiologia no século XIX, com o desenvolvimento dos métodos de isolamento, cultura e identificação de bactérias. Esses avanços possibilitaram o desenvolvimento de programas mais elaborados de armas biológicas com maior potencial de destruição, as quais posteriormente passaram a ser conhecidas como armas de destruição em massa (DAVIDSON, 2005).
Após a Primeira Guerra, os programas de guerra biológica existentes expandiram-se, enquanto outros foram iniciados, sendo construídas instalações para produção em larga escala de armas biológicas e sendo implementados testes de campo. O estudo dos agentes infecciosos possibilitou o desenvolvimento de novos armamentos e instrumentos de disseminação, surgindo a segunda geração de armas biológicas. Canadá, Polônia, Inglaterra, Rússia, Estados Unidos e Japão são países que tiveram seus programas de armas iniciados ou expandidos nesse período (CHRISTOPHER et al., 1997; SMART, 1997).
A descoberta do DNA em 1944 e de sua estrutura em 1953 permitiu o progresso da Genética. Desponta então a discussão no campo político estratégico para o desenvolvimento e uso de agentes infecciosos geneticamente modificados para uso bélico, a terceira geração de armas.
Observa-se também, na trajetória do desenvolvimento dos programas de armas biológicas, a construção de propostas para seu banimento. Entretanto, dois dos mais importantes tratados internacionais criados para esse fim, o Protocolo de Genebra (1925) e a Convenção para a Proibição de Armas Bacteriológicas (Biológicas) e Toxinas e sua Destruição (CPAB), não estabeleceram a realização de inspeções e o controle do desarmamento dos países membros, possibilitando a continuação e a criação de programas por diversos países.
A antiga União Soviética possuía um complexo industrial, o Biopreparat, criado em 1973 para desenvolver um programa de armas biológicas sob a cobertura da pesquisa biotecnológica civil e pacífica. O complexo continuou suas atividades mesmo após a CPAB. A ocorrência de uma epidemia de antraz na cidade russa de Sverdlovsk em 1979, infectando pessoas e animais através da inalação de esporos do Bacillus anthracis, dentro do raio de 50 km de distância do complexo comprovou a continuação do programa soviético (CHRISTOPHER et al., 1997; ROFFEY; TEGNELL; ELGH, 2002).
A crise verificada nos países do bloco soviético na década de 1980 favoreceu o fim da Guerra Fria, configurando novas correlações geopolíticas e destacando especialmente o potencial bélico dos países e seus projetos de hegemonia sobre regiões consideradas estratégicas, em especial o Oriente Médio. Esse contexto potencializou um novo padrão de comportamento bélico, denominado "ameaças assimétricas". Os países alinhados com a liderança norte-americana verticalizaram cooperações visando à manutenção do controle sobre os grandes produtores de petróleo do Oriente Médio, região marcada historicamente por disputas políticas e territoriais. Com o atentado ao World Trade Center e a disseminação intencional de esporos de antraz através do sistema postal americano em 2001, o governo implementou o conceito doutrinário de combate preventivo (guerras preventivas) conhecido como "Doutrina Bush". Essa doutrina aprofundou uma série de medidas de caráter interno e externo, alertando para um inimigo fluido, o terrorismo. Sendo assim, o combate ao terror passou a compor o discurso político militar, que superou a lógica do discurso político legal, priorizando o combate ao bioterrorismo e alertando preventivamente para o que se chamou de "eixo do mal", composto pelo Irã, Iraque e Coreia do Norte. O termo "bioterrorismo" passou a circular com mais frequência na sociedade e na agenda política e militar dos países, sobretudo os ocidentais.
Embora a disseminação de agentes biológicos como instrumento agressor não seja um artifício novo na história, pode-se afirmar que o bioterrorismo atual está inserido em um mundo interligado, tendo, pois, uma dimensão mais complexa. As ações de bioterrorismo podem utilizar agentes capazes de promover epidemias, que certamente impactarão os sistemas de saúde dos países, em especial daqueles cujos sistemas já são sobrecarregados, caracterizados por uma infraestrutura deficitária. Considerando essa perspectiva, o bioterrorismo ultrapassa as áreas do campo militar (biodefesa) e torna-se um tema de relevância para os profissionais da área da saúde (biossegurança). Sublinha-se igualmente que é fundamental a atualização de informações científicas sobre os temas que integram biossegurança e as ameaças assimétricas, com a finalidade de melhorar a compreensão do bioterrorismo e sua correlação com a viabilidade do uso de artefatos de potencial risco biológico (INGLESBY et al., 2002; CARDOSO; CARDOSO, 2011).
Este estudo objetiva discutir a associação entre agentes biológicos e seu potencial de risco e a eficácia de estratégias fundamentadas no bioterrorismo, apontando para a importância das informações como suporte para o mapeamento de locais ou situações com potencial de ocorrência e para o planejamento das medidas de biossegurança.
METODOLOGIA
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