eará: o Sertão transformado depois da estação de chuva
Oficialmente, nossa quadra chuvosa termina hoje e entrega um novo sertão. É o mais reluzente de seis “invernos” para trás (o linguajar sertanejo não deixa de chamar de “inverno” o seu tempo de chover). Ainda há senões a serem desfeitos. Haverá pontos de estiagem emendando-se pelo sétimo ano seguido. Mesmo assim, o sertão cearense já é outro.
É o melhor aporte hídrico no Ceará desde 2012, apesar de 32 reservatórios ainda contabilizados no volume morto ou seco, segundo a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh).
"Temos água para mais um ano”, afirma o secretário estadual de Recursos Hídricos, Francisco Teixeira. “Mesmo que o aporte tenha sido menor do que esperávamos”. A espera pelas águas da transposição do rio São Francisco, segundo ele, deve durar até mais perto do fim do ano – não agosto, como previu o Governo Federal.
Os espelhos d’água se redesenharam. Estão maiores. Gigantes como Castanhão e Orós não chegaram a dois dígitos de volume armazenado, mas recarregaram. Estavam rasos demais. Agora estão com 8,5% e 9,5%, respectivamente. Os gestores definiram manobras de fornecimento, trancaram a vazão – o Castanhão, por exemplo -, para que a recarga fosse mais visível. As chuvas é que vieram menores que a expectativa. O veranico de março se estendeu demais e também atrapalhou no fechamento da média do ano.
Há novo fôlego para um segundo semestre que será certeza de a chuva rarear. Previsão de calor, evaporação e a perda. Tendem a voltar aos níveis preocupantes. Barragens que saíram do zero, como a do Banabuiú, continuam rentes, mas a marca da água antiga na parede está menor. Sinal de que o açude guardou mais que na chuva passada. Subiu 11,27 metros de coluna de água (até o dia 18). Estava em menos de meio por cento em janeiro, batia 7,01% até ontem.
Em Quixeramobim, até março, via-se a areia dentro da barragem. Plantações de milho e feijão, nada de água. A régua estava ociosa. Pelas redes sociais, diante da calamidade hídrica, moradores locais pediam “socorro”. De repente, a chuva de abril, em 12 dos 30 dias, foi ligeira para encher. Chegou a mais de 96%. Está nos 94%.
Dia 8 de abril, três horas de chuvoeiro na madrugada de Quixeramobim somaram 65 mm. Dia 10: 40 mm. No dia 12, a maior chuva local: 76 mm, cinco horas de água. Dia seguinte, 13 de abril, céu encoberto à tarde: mais 65 mm. Dia 17, outros 30 mm. Dia 30, mais 19,2 mm. Com outras precipitações menores, o mês fechou com 331,3 mm. Mais que janeiro, fevereiro e março juntos: 190,2 mm somados.
“Passei esses últimos anos sem anotar praticamente nada. Era só observação. Agora, faltam alguns centímetros para sangrar. Tomara”, relata João Eudes Gomes, funcionário do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), administrador do açude Quixeramobim. A dez dias do fim da quadra chuvosa, faltaram 14 centímetros para a sangria, que não veio.
O POVO rodou 1.600 km na região central do Ceará. Nesse meio de sertão, entre asfaltos e carroçáveis estão terras que pegaram água bem, açudes renovados e safra garantida. O Trapiá II, em Pedra Branca, de porte médio, está com quase 13% de volume. Em janeiro, tinha o chão rachado no leito. A situação local ainda é crítica no todo, mas o cenário no entorno é promissor.
Ao lado do açude, o mais bem encharcado do município, tem mamão, milho, feijão, fava, arroz, coentro, cebolinha, jerimum e macaxeira no hectare do seu Pedro Tomaz Matos, 47 anos. “Tem água e tem legume. O açude dá para uns dois anos mais. Então essa seca acabou”, decreta o agricultor. Fazia seis anos, segundo ele, que não vingava nada. “Aqui estava só na pedra. Não dava nada”.
A massa de nuvens que encobriu o açude Cedro, em Quixadá, no fim da tarde do dia 18 passado, foi parecida com a que inundou Fortaleza no mesmo horário. Níveis torrenciais semelhantes: 65 mm em Quixadá, 54,4 mm na Capital. De dentro do reservatório, a silhueta da pedra da Galinha Choca tinha o céu carregado de um lado e o resto de pôr do sol do outro. Em 2018, o Cedro subiu cerca de 1,40 metro, quase igualou os 2,60 metros de 2017. Está com 2,17% de sua capacidade. Melhor que a secura total de 2016.
Nos açudes domésticos, esturricados até antes de fevereiro, a água dá para matar a sede dos animais. Não é potável para o consumo humano. Ajuda nas pequenas soluções. Deverão receber pequenas chuvas ainda em junho, “esporádicas”, no quadro previsto pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).
Em Pedra Branca, o açude Padre Geraldo, construído em 2011, pega água pela primeira vez. Era só uma vala e uma parede seca até então. Ainda sem sensores de monitoramento, “no olho” já estaria com cerca de 30% de sua capacidade (8 milhões m³). Mais reserva para aguentar outra seca futura. Ainda não é possível saber se a chuva de 2019 virá, mas tem alguma água espalhada enquanto se espera.
A maldita seca nordestina é fruto da estupidez científica BR.
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