domingo, 19 de março de 2017

Eis A Terra Prometida

Seca altera paisagem na Mata Norte

A falta de chuvas também trouxe perda da safra aos fornecedores de cana-de-açúcar
Publicado em 19/03/2017, às 08h01
Mais uma estiagem aumenta o desemprego e traz perda de safra aos produtores / Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Mais uma estiagem aumenta o desemprego e traz perda de safra aos produtores
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Angela Fernanda Belfort

O cinza invadiu os canaviais de Pernambuco em pelo menos 10 municípios da Zona da Mata castigados por mais uma estiagem. É um cenário tão seco e devastado que chega a lembrar o Sertão. “Se o inverno começar hoje, vou ter uma redução da safra de 40%. Há locais em que morreu tudo”, diz o fornecedor de cana-de-açúcar, Felipe Neri, que tem propriedades em Lagoa de Itaenga e Carpina, ambas na Mata Norte. E o impacto será grande. A moagem que está se encerrando será uma das menores dos últimos 30 anos no Estado com a colheita estimada em 11,7 milhões de toneladas. E a próxima (que começa em setembro) pode chegar a 12 milhões de toneladas, numa estimativa feita pelo Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar-PE). A média da safra é de 17 milhões de toneladas no Estado e 13 milhões era a produção no começo dos anos 70.
As estiagens muito severas sempre chegam, principalmente, à Mata Norte, o que ocorre ciclicamente em função do fenômeno climático El Niño, que provoca seca no Semiárido nordestino. Este já é o 5º ano consecutivo de chuvas abaixo da média na Zona da Mata. A situação piorou depois de junho/julho do ano passado. “Planto cana em julho e agosto há 30 anos. Foi a primeira vez que perdi a socaria plantada nessa época. A chuva quase sumiu depois do final de julho”, afirma Neri. A socaria é a parte da cana que, após ser cortada, rebrota por cinco anos consecutivos. Em 2015/2016, ele colheu 10 mil toneladas da planta, na atual safra (2016/2017) foram 6 mil toneladas e na próxima (2017/2018), a expectativa é 3 mil toneladas. Atualmente, ele está com 5 pessoas trabalhando na sua propriedade. Antes da seca, eram 8 durante a entressafra. Na propriedade do cultivador, o registro médio da chuva é de 160 milímetros (mm) em junho e 165 mm em julho. Em 2016, foram registrados, respectivamente, 64 mm e 51 mm. O engenho dele não tem qualquer reserva de água.
A escassez da chuva também trouxe outro cenário à Zona da Mata. São extensões enormes de um canavial formado por uma palha seca com cerca de 70 cm de altura. “Essa planta era para estar com um metro e meio de altura. Só cresceu a palha por falta de água. A parte da cana só tem 10 centímetros”, diz o fornecedor, Luiz Otávio Coutinho, cuja família já foi uma das maiores produtoras de cana-de-açúcar em Tracunhaém, na Mata Norte. Se chover, ele vai transformar a cana que não cresceu em semente para plantar de novo.
Há quatro anos, Luiz Otávio decidiu destinar uma parte maior da sua propriedade à criação de gado. “O preço da cana caiu, diminuíram as usinas, foi tudo ficando mais complicado. As secas constantes mostraram que é preciso diversificar. A cana precisa de mais água do que o boi. Só vou plantar cana-de-açúcar onde posso fazer irrigação de salvação. Hoje, 40% da área estão ocupados com gado nelore”, afirma. Ele trabalha com a expectativa de ter uma redução de 25% comparando com a última safra, quando colheu 30 mil toneladas. Este ano, ele arrendou uma propriedade na qual esperava colher 1,8 mil toneladas por dois anos. A morte da socaria provocou a perda total do canavial desse terreno.
O Rio Tracunhaém, que passa próximo à propriedade de Luiz Otávio, secou. “A nossa intenção agora é implantar 700 hectares de irrigação de salvação, sendo 200 hectares por cada safra”, conta Luiz Otávio. O investimento total previsto é R$ 600 mil e o objetivo desse tipo de iniciativa, como o nome diz, é colocar água suficiente para não deixar a planta morrer.
Outro fato inusitado dessa estiagem: chegou a região que apresenta maior índice pluviométrico do Estado, a Mata Sul. “O regime de chuvas está mudando e menor. De repente, chove muito apenas num local só, enquanto na propriedade vizinha não cai uma gota de água. Os mananciais estão mais baixos”, diz o fornecedor de cana-de-açúcar, Frederico Pessoa de Queiroz, que faz parte da terceira geração da sua família no setor sucroalcooleiro. Ele tem uma propriedade em Xexéu, na Mata Sul. “Em média, a precipitação pluviométrica é de 1.700 mm por ano na propriedade. No ano passado, ficou em 1.063 mm. Se chover a partir de agora, vamos ter uma perda de 10% da safra”, afirma.
Na moagem passada 2016/2017, Frederico registrou uma perda de 22%, colhendo 32 mil toneladas da planta. “Nunca vi uma seca com tanta intensidade na Mata Sul”, diz. Além dele, Felipe e Luiz também são a terceira geração da família que planta cana, o que é muito comum na Zona da Mata de Pernambuco. Os fornecedores são responsáveis por 35% da cana do Estado. Há 10 anos, respondiam por 50% e já chegaram a plantar 73% do total cultivado.
“A única saída para continuar plantando cana-de-açúcar na Mata Norte é a irrigação. Tem que ter água ou procurar outra atividade”, diz o presidente da Associação dos Fornecedores de Cana-de-Açúcar de Pernambuco (AFCPE), Alexandre Andrade Lima. A entidade estima que a próxima safra terá uma redução média de 30% se começar a chover a partir deste mês. Geralmente, os fornecedores de cana-de-açúcar são mais atingidos pela estiagem do que as usinas, pois irrigam menos e não possuem reservas de água nas propriedades. 

ESCASSEZ

“Não existem mais chuvas como ocorriam em 2011, quando a média na Mata Norte era de 1,6 mil mm. Em 2015, essa média ficou em 825 mm em algumas regiões da Mata Norte”, diz o presidente do Sindaçúcar, Renato Cunha. Segundo ele, para a próxima safra foram realizados investimentos que poderiam resultar numa moagem de cerca de 13 milhões de toneladas da planta, o que não deve ocorrer por causa da falta de chuvas.
A seca é mais um capítulo que está contribuindo para a agonia do setor sucroalcooleiro. Existem outros. “Os subsídios de preços à gasolina do governo Dilma e a importação de etanol sem controle nos últimos dois anos foram outros fatores que prejudicaram o setor”, resume um dos maiores especialistas, o presidente da Datagro, Plínio Nastari. O que ele chama de subsídio foi a redução da tributação da gasolina para fazer o preço do etanol ficar num mesmo teto. “Espero que os governos estaduais e federal enxerguem a importância dessa atividade para o desenvolvimento econômico, porque a crise desse setor está agravando a situação de um trabalhador muito sofrido”, conclui.

A HISTÓRIA DE DIONALDO


As cidades da Mata Norte têm atualmente uma gama de empresários que desistiram de cultivar a cana-de-açúcar e se tornaram donos de pequenos negócios como postos de gasolina, construtora, entre outros. É o caso de Dionaldo José Barata de Oliveira que passou a ser fornecedor de cana-de-açúcar aos 16 anos, quando assumiu a propriedade da família, em Nazaré da Mata, após a morte do seu pai em 1977. Era a terceira geração da família a viver da atividade. 
“Minha vida era focada na agricultura. Eram muitas usinas. Só em Vicência, tinha duas usinas (Barra e Laranjeiras, a primeira fechou e a segunda continua). Em Nazaré, tinha a Matary, que também fechou. Depois, começaram a se repetir os problemas: o preço da cana caía. Se recuperava na outra safra, aí perdia parte do canavial por causa da seca. Não tive mais condições de tocar a propriedade”, conta Dionaldo, que chegou a produzir 5 mil toneladas por safra.
Ele vendeu a sua propriedade. E, aos 52 anos, voltou a ser estudante num curso de edificações. Ao mesmo tempo, comprou uma área urbana em Vicência, fez um loteamento e esse foi o primeiro produto comercializado pela sua construtora. 
De uma família grande, “incluindo os primos, a família tinha 20 fornecedores de cana”...
E hoje ?
“Não tem mais nenhum. Só tenho um primo que ainda planta cana. É Tonho Barata que fabrica cachaça em Vicência. Na agricultura, construía divida. Numa seca desmanchava tudo que tinha feito, o dinheiro que tinha sobrado. Ninguém se recupera de uma estiagem em um ano ou dois. São no mínimo três anos. Tenho muita pena, porque de seca em seca, vi gente que perdeu tudo”.

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