quarta-feira, 28 de junho de 2017

Lixo: envolvimento insustentável

O lixo chegou às aldeias – e indígenas pedem ajuda para resolver o problema

O povo iauanauá faz um financiamento coletivo para tentar atrair fundos para conseguir lidar com o lixo. Latas e garrafas plásticas chegam à aldeia levadas por turistas ou por programas de governo, como a merenda escolar

BRUNO CALIXTO
28/06/2017 - 09h00 - Atualizado 28/06/2017 11h58
A Aldeia de Mutum, na Terra Indígena do Rio Gregório, no Acre (Foto:  Roberto Herrera)
A Aldeia do Mutum fica no meio da Floresta Amazônica do Acre. Para chegar lá saindo da capital Rio Branco, é preciso pegar cinco horas de estrada até Cruzeiro do Sul, para depois pegar mais três horas de estrada até a Vila de São Vicente, onde se pega uma voadeira e viaja pelo rio por mais oito horas até enfim chegar à Terra Indígena do Rio Gregório. A distância, entretanto, não impediu a chegada de um invasor incômodo: o lixo. Sem ter condições de lidar com o plástico, as latas e pilhas que chegam às suas terras, os indígenas do povo iauanauá estão fazendo um financiamento coletivo para tentar resolver o problema.
Na sociedade tradicional indígena, não existia lixo. O que as pessoas tiravam da floresta voltava para a floresta. Essa dinâmica mudou com o contato com o estado brasileiro e com a chegada de turistas. O povo iauanauá é muito aberto – diferentemente de outras tribos, que muitas vezes são mais reservadas – e recebe turistas interessados no ritual da ayahuasca. Muitas vezes eles trazem produtos e não se dão conta de que não há como descartá-los. O lixo também chega por intermédio do governo. A aldeia recebe do governo alimentos para merenda escolar. É muito comum essa merenda vir embalada em plástico ou em latas. E, por fim, há produtos usados pelos indígenas em suas atividades que chegaram à aldeia por comércio, por exemplo lanternas. Eles não têm onde descartar pilhas e baterias, que são tóxicas e podem contaminar o meio ambiente.
Lixo de uma família na Aldeia de Mutum (Foto:  Roberto Herrera)
A iniciativa de fazer um financiamento coletivo para tentar resolver o problema partiu dos próprios índios. Nixiwaka Yawanawá, um dos líderes da aldeia, tem um perfil diferente dos caciques mais tradicionais. Ele já foi casado com uma antropóloga e morou em Londres, no Reino Unido. Lá, percebeu que seu povo estava lidando com os resíduos de forma pouco sustentável. Sem saber como resolver o problema, entrou em contato com ativistas ou pesquisadores. Uma dessas pessoas é a pesquisadora Maria Fernanda Gebara, que decidiu apoiar a causa por meio do crowdfund. “Os principais desafios deles na questão do lixo são a distância e o comportamento. Eles não têm onde descartar. E estavam acostumados a usar o que tem na floresta e devolver para a floresta, mas o plástico não saiu da floresta”, diz Fernanda.
Se o financiamento coletivo der certo, os recursos serão utilizados de diversas maneiras. A primeira é na capacitação da população da aldeia. A ideia é treinar a população local sobre como reduzir e reutilizar o material antes de se tornar lixo. Depois, o projeto prevê a construção de uma estrutura temporária para armazenar os resíduos na terra indígena e, por fim, comprar um barco que possa fazer o transporte do lixo para a Vila de São Vicente.
Cumprir todas essas etapas já é difícil, ainda mais num local distante e de difícil acesso. Mas o mais complicado acontece depois. A Vila de São Vicente, assim como as cidades próximas, não conta com estruturas adequadas para o descarte de resíduos. Há lixões, mas não aterros sanitários – e os lixões já deveriam ter sido fechados há muito tempo, seguindo a Política Nacional dos Resíduos Sólidos. Fernanda também está em contato com o governo do Acre, fazendo reuniões com as autoridades locais, para tentar atrair a atenção da Iniciativa de Lixo Zero do governo estadual. Se essas conversas resultarem em investimento para um aterro sanitário, a população – seja indígena, seja dos moradores não indígenas do Acre – sairá ganhando.
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